Pelo acidentalíssimo caminho
Faísca o sol. Nédios, batendo a cauda,
Urram os bois. O céu lembra uma lauda
Do mais incorruptível pergaminho.
Uma atmosfera má de incômoda hulha
Abafa o ambiente. O aziago ar morto a morte
Fede. O ardente calor da areia forte
Racha-me os pés como se fosse agulha.
Não sei que subterrânea e atra voz rouca,
Por saibros e por cem côncavos vales,
Como pela avenida das Mappales,
Me arrasta à casa do finado Tôca!
Todas as tardes a esta casa venho.
Aqui, outrora, sem conchego nobre,
Viveu, sentiu e amou este homem pobre
Que carregava canas para o engenho!
Nos outros tempos e nas outras eras,
Quantas flores! Agora, em vez de flores,
Os musgos, como exóticos pintores,
Pintam caretas verdes nas taperas.
Na bruta dispersão de vítreos cacos,
À dura luz do sol resplandecente,
Trôpega e antiga, uma parede doente
Mostra a cara medonha dos buracos.
O cupim negro broca o âmago fino
Do teto. E traça trombas de elefantes
Com as circunvoluções extravagantes
Do seu complicadíssimo intestino.
O lodo obscuro trepa-se nas portas.
Amontoadas em grossos feixes rijos,
As lagartixas dos esconderijos
Estão olhando aquelas coisas mortas!
Fico a pensar no Espírito disperso
Que, unindo a pedra ao gneiss e a árvore à criança,
Como um anel enorme de aliança,
Une todas as coisas do Universo!
E assim pensando, com a cabeça em brasas
Ante a fatalidade que me oprime,
Julgo ver este Espírito sublime,
Chamando-me do sol com as suas asas!
Gosto do sol ignívomo e iracundo
Como o reptil gosta quando se molha
E na atra escuridão dos ares, olha
Melancolicamente para o mundo!
Essa alegria imaterializada,
Que por vezes me absorve, é o óbolo obscuro,
É o pedaço já podre de pão duro
Que o miserável recebeu na estrada!
Não são os cinco mil milhões de francos
Que a Alemanha pediu a Jules Favre...
É o dinheiro coberto de azinhavre
Que o escravo ganha, trabalhando aos brancos!
Seja este sol meu último consolo;
E o espírito infeliz que em mim se encarna
Se alegre ao sol, como quem raspa a sarna,
Só, com a misericórdia de um tijolo!...
Tudo enfim a mesma órbita percorre
E as bocas vão beber o mesmo leite...
A lamparina quando falta o azeite
Morre, da mesma forma que o homem morre.
Súbito, arrebentando a horrenda calma,
Grito, e se grito é para que meu grito
Seja a revelação deste Infinito
Que eu trago encarcerado na minh'alma!
Sol brasileiro! Queima-me os destroços!
Quero assistir, aqui, sem pai que me ame,
De pé, à luz da consciência infame,
À carbonização dos próprios ossos!
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